Sete fatos sobre o pedágio no Paraná

Não é exagero afirmar que os contratos de pedágio do Paraná têm constituído o grande assunto político do Estado nos últimos 17 anos. Desde 1997, quando os contratos foram firmados, nenhum outro tema de gestão pública despertou mais polêmica no Estado do que o pedágio. E a discussão promete se estender pelo menos até 2021, quando os atuais contratos expiram (na verdade, a discussão deve ir até mesmo depois disso, pois, ao final das contratações vigentes, será necessário decidir o que fazer com nossas estradas).

Em 2011 e 2012, quando eu ainda era servidor do Tribunal de Contas do Paraná, integrei a equipe que auditou os contratos firmados pelo Estado com as concessionárias. Após meses de um trabalho inédito, que incluiu a análise da licitação dos 6 lotes do programa de concessão, dos contratos que advieram da concorrência e das planilhas das obras e serviços atribuídos às empresas operadoras da rodovia, chegamos a diversas conclusões, expostas no processo do TCE/PR n.º 39.864-3/11 (o andamento do processo pode ser acompanhado pelo site www.tce.pr.gov.br).

A principal constatação do trabalho foi que as tarifas do pedágio atualmente cobradas são 30% superiores às tarifas devidas. Os motivos? Incompetência e omissão por parte das 3 gestões que se sucederam à frente do Estado, comandadas pelos governadores Jaime Lerner, Roberto Requião e Beto Richa. Nenhuma das 3 gestões fiscalizou adequadamente os contratos e protegeu o usuário. Mesmo quando a politica declarada foi a de reduzir ou combater pedágio, o governo fez muito pouco, e não agiu de forma séria para resolver o problema.

O trabalho de auditoria também produziu outras conclusões sobre o pedágio, que são agora confrontadas com comentários frequentes sobre o assunto no Estado:

1) “O pedágio é uma solução ruim para o Estado” – MENTIRA

A opção pelo pedágio não é obrigatória, mas há, certamente, vantagens na sua adoção: por meio dela, o Estado pode obter uma série de melhorias nas estradas públicas sem precisar colocar a “mão no bolso”, ou seja, sem utilizar seu orçamento. No sistema de pedágio, a responsabilidade por manter e edificar obras na estrada e de prestar serviços aos usuários das vias é das empresas, que, em troca, recebem o direito de cobrar tarifa dos usuários.

Caso os contratos de pedágio sejam bem estruturados, portanto, a iniciativa pode ser benéfica tanto para o Estado quanto para os cidadãos. O problema ocorre, contudo, quando o Estado não cumpre sua parte, e não fiscaliza adequadamente as concessões e as empresas operadoras das rodovias. É justamente o que tem ocorrido no Paraná. Desde o início da cobrança do pedágio no Estado, a omissão e a incompetência das gestões que se sucederam à frente do Poder Executivo permitiram que os contratos de concessão fossem se desequilibrando, em benefício das empresas.

2) “A tarifa atualmente paga é cara” – VERDADE

Por uma série de erros na gestão dos contratos, que se iniciaram na gestão do governador Jaime Lerner e foram mantidos nas gestões dos governadores Roberto Requião e Beto Richa, a relação original entre o que as empresas operadoras do pedágio deveriam investir e a tarifa que deveriam cobrar desequilibrou-se, na proporção média de 30 % a favor das concessionárias. Ou seja, o paranaense, atualmente, paga pelo pedágio 30 % a mais do que deveria pagar por força do contrato, e o Estado não toma qualquer medida adequada para reverter a situação.

3) “Os contratos de pedágio são ‘bem amarrados’ e não permitem a redução da tarifa” – MENTIRA

Apesar de toda a polêmica envolvendo o pedágio, o Poder Executivo e o Poder Legislativo do Estado nunca – isto mesmo, nunca – realizaram qualquer tipo de trabalho sério de análise das planilhas dos contratos de concessão, com a finalidade de indicar a tarifa devida.

A primeira vez que esse trabalho ocorreu no Estado foi em 2011, quando os contratos de pedágio já completavam 13 anos. Naquela ocasião, a auditoria do Tribunal de Contas, após meses de trabalho com o levantamento de números, análise de planilhas e entrevistas com funcionários vinculados à concessão, apurou que a tarifa paga atualmente pelos usuários está desequilibrada.

E afirmar que a tarifa está desequilibrada não significa nada mais, nada menos, do que afirmar que os contratos de concessão estão sendo descumpridos. Ou seja, para corrigir a situação, basta aplicar à risca os contratos, e não desconsiderá-los.

4) “O Poder Executivo quer resolver a situação” – MENTIRA

Por incompetência, omissão, ou qualquer outro motivo, o Poder Executivo do Estado nunca agiu de forma séria para resolver o desequilíbrio contratual a favor das empresas. O Poder Executivo, em primeiro lugar, nunca realizou um trabalho detalhado para apontar o valor exato que as tarifas deveriam ter.

Em segundo lugar, o Estado nunca se aparelhou de quadros técnicos adequados para tratar dos contratos em igualdade de condições com as concessionárias. Para ter uma ideia do que se afirma, basta dizer que os principais técnicos do Estado envolvidos com o controle do contratos são funcionários terceirizados, isto é, funcionários que não integram as carreiras do Poder Público e podem, assim, ser demitidos a qualquer momento.

Em terceiro lugar, o Estado, sob o pretexto de negociar com as concessionárias, mantém suspensas desde 2011 as ações judiciais que poderiam levar à redução das tarifas cobradas.

5) “A Assembleia Legislativa quer resolver a situação” – MENTIRA

Desde o início da cobrança do pedágio no Paraná, a Assembleia Legislativa do Estado já realizou 3 CPIs para investigar os contratos. As duas primeiras foram encerradas sem apontar nenhum problema com a concessão, apesar das flagrantes irregularidades existentes. A terceira CPI, ainda vigente, arrasta-se a passos lentos, sofre resistência por parte dos deputados da base governista e caminha-se para chegar a nenhuma conclusão que a auditoria do Tribunal de Contas já não tenha alcançado em 2011.

No mês de setembro de 2013, tive a oportunidade de depor na última CPI instaurada pela Assembleia. De frente para os membros da comissão, chamei-os pessoalmente à responsabilidade, lembrando-os de que a Assembleia tem competência constitucional de fiscalizar os atos do Poder Executivo, mas não cumpre adequadamente esse dever.

6) “A única saída para a solução da crise é a atuação do Poder Judiciário” – VERDADE

Depois que observei e analisei os contratos de pedágio do Paraná, chego à conclusão de que apenas o Poder Judiciário pode dar solução à crise e reequilibrar os contratos. Tanto o Poder Executivo quanto o Poder Legislativo do Estado não demonstram vontade nem competência para solucionar o problema, trabalhando de forma contrária aos interesses dos paranaenses.

Assim, apenas o Poder Judiciário – e a competência para analisar as ações envolvendo os contratos de pedágio é da Justiça Federal – pode apurar o exato desequilíbrio das tarifas e determinar a sua redução. Infelizmente, contudo, o Poder Judiciário, desde 2011, a pedido do próprio Estado do Paraná, mantém suspenso o julgamento das duas ações que poderiam importar na redução das tarifas. Trata-se dos processos n.º 2005.70.00.004071-0, da 1.ª Vara Federal de Curitiba, e 2005.70.00.007929-7, da 2.ª Vara Federal de Curitiba, cujo andamento pode ser consultado no site da Justiça Federal do Paraná (www.jfpr.jus.br). A suspensão dos processos judiciais por 3 anos, em prejuízo da população paranaense, demonstra bem como a questão dos pedágios é encarada no Estado.

7) “O que está ruim pode piorar” – VERDADE

Quando a situação dos pedágios no Paraná parecia não poder mais piorar, eis que o próprio governo do Estado, em outubro de 2013, após pagar R$ 3 milhões por um trabalho de auditoria privado, sugere prorrogar os contratos de concessão. De acordo com o Poder Executivo, a proposta seria benéfica à população, porque as empresas reduziriam suas margens de lucro para operar as estradas. O que o Poder Executivo não diz, contudo, é que, por força da prorrogação, o Estado se comprometeria a abrir mão de qualquer discussão sobre os lucros passados auferidos pelas empresas em desacordo com o contrato. A medida também teria o efeito de garantir às empresas o direito de operar as estradas do Estado por tempo excedente ao originalmente previsto, sem participarem de nova concorrência.

Como tive a oportunidade de dizer em entrevista à RPCTV, a proposta é um desaforo à sociedade paranaense (http://globotv.globo.com/rpc/parana-tv-1a-edicao-curitiba/v/relatorios-de-pedagios-no-parana-divergem-sobre-prorrogacao-de-contrato/2887402/). Trata-se de medida não apenas imoral, como também ilegal. Sem que as irregularidades nos contratos vigentes sejam identificadas e corrigidas, qualquer tentativa de “passar uma régua” nos contratos de concessão significaria violar a lei e o patrimônio público.

Além disso, o verdadeiro trauma que o Estado paranaense vivenciou com a assinatura dos contratos em 1997 só será superado depois que o Poder Público e a sociedade paranaense passarem por um completo debate sobre que tipo de modelo de concessão querem dar às suas estradas depois que os atuais instrumentos contratuais expirarem (o que ocorrerá em 2021, como vimos acima).