Na quarta-feira (17/06), o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) prendeu em Curitiba o coordenador-geral do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), acusado de favorecer a empresa vencedora da licitação para a construção do novo prédio do Tribunal. O servidor teria sido preso em flagrante após receber R$ 200 mil da empresa, cujo dono também foi detido. É o terceiro caso de prisão de servidores de alto escalão do TCE/PR nos últimos dez anos por supostas irregularidades praticadas no cargo.
A notícia confirmou a péssima reputação do Tribunal, do qual fui servidor concursado e pedi demissão há dois anos, após denunciar ao Ministério Público diversas irregularidades praticadas em processos da Corte. Já naquele momento, eu sabia que a instituição, da maneira como funcionava, estava fadada ao mais absoluto fracasso em sua missão de combater a corrupção no Estado. O tempo só fez aumentar essa certeza.
O padrão da fraude em licitações
Se os fatos envolvendo a licitação do novo prédio do TCE/PR configuram crimes ou se os acusados são culpados, caberá ao Poder Judiciário decidir. Os fatos descritos pela imprensa nos últimos dias, contudo, trouxeram-me à memória muitos casos de corrupção em licitação que vivenciei na época de servidor.
Nos casos em que atuei, um mesmo padrão se repetia: com a finalidade de fraudar determinado procedimento licitatório, um órgão público e uma empresa combinavam o preço que seria proposto na licitação. Caso o preço oferecido pela empresa não fosse o mais baixo, o órgão público providenciava uma maneira de desclassificar os demais concorrentes do certame, alegando o descumprimento de itens do edital de licitação. Não raras vezes, a estratégia era mais sofisticada e também envolvia a participação dos demais concorrentes.
O sucesso era garantido. Definida a empresa vencedora da licitação, o respectivo contrato era assinado, e o fluxo de dinheiro público tinha início. Inicialmente, o dinheiro saia dos cofres públicos para pagar a obra ou o serviço realizado. Posteriormente, uma parte dos recursos voltava à autoridade responsável pelo pagamento. O esquema era frequentemente turbinado por duas estratégias: pagamento por obras ou serviços superfaturados ou inexistentes e realização de aditivos ao contrato original, para aumentar o valor do contrato.
Esse era o modelo de 9 entre 10 casos de fraude em licitações em que atuei. Em alguns casos, a autoridade pública recebia parte de seu “bolo” mesmo antes de a obra ou o serviço começar, em uma espécie de “bônus” inicial, a ser devidamente reembolsado posteriormente com dinheiro público.
Frequentemente, além disso, o dinheiro desviado dos cofres públicos era empregado no financiamento da campanha eleitoral da autoridade pública ou de seus apadrinhados. Com uma campanha reforçada pelos cofres públicos, a chance de eleição era muito grande, e o ciclo da corrupção, bem sucedido, voltava a girar indefinidamente.
A concorrência n.º 01/2013 do TCE/PR
Por força de lei, toda entidade pública brasileira é obrigada a divulgar seus procedimentos licitatórios em um portal na internet. O TCE/PR não é exceção e, assim, qualquer cidadão pode acessar na página do Tribunal os atos praticados na licitação do novo prédio da entidade.
O procedimento licitatório foi a concorrência n.º 01/2013. Para ler e examinar os atos do processo, acesse www.tce.pr.gov.br. Clique em “Transparência” e, em seguida, em “Licitações TCE”. Clique na imagem e selecione “Concorrência”, na opção “Modalidade”. Pronto. Não precisa selecionar mais nada. Agora é só apertar “Pesquisar” e, em seguida, rolar o mouse para baixo para encontrar o link dos atos da concorrência n.º 01/2013. Você vai encontrar 29 arquivos, que se iniciam com o edital de licitação e vão até a homologação do certame, passando pelas atas das reuniões e decisões da comissão de licitação tomadas durante o procedimento licitatório.
Como mencionei acima, o TCE/PR é obrigado por lei a manter seus procedimentos licitatórios em seu site. Contudo, caso o Tribunal decida remover de sua página as informações sobre a concorrência n.º 01/2013 – o que seria ilegal, mas perfeitamente compreensível tratando-se de TCE/PR – não se preocupe. Eu já baixei todos os arquivos que estavam ali. Assim, é só me mandar um email (homero@homeromarchese.com.br) que eu lhe repasso as informações, que têm natureza pública.
A análise dos atos da concorrência n.º 01/2003 permite fazer as seguintes conclusões: 1- no dia 09/12/2013, seis construtoras apresentaram propostas para edificar a obra (veja a ata da primeira sessão pública); 2- em 10/12/2013, a construtora Espaço Aberto Ltda., que apresentou o menor preço, foi desclassificada pela comissão de licitação, que considerou que o valor ofertado era muito baixo e, assim, impossível de ser praticado (veja a ata da segunda sessão pública); 3- a Espaço Aberto Ltda. apresentou recurso em 16/12/2013 (veja o arquivo correspondente), o qual, contudo, foi negado pelo Presidente do TCE/PR em 20/01/2014 (veja o arquivo correspondente); 4- a Espaço Aberto atacou a decisão do Presidente do TCE/PR no Poder Judiciário por meio de mandado de segurança (autos n.º 1187165-1, do Órgão Especial do TJ/PR, cuja movimentação pode ser acessada em “Consulta”, “2.º grau”, no site do TJ/PR). A pedido da empresa, o Desembargador Relator suspendeu a licitação, mas posteriormente voltou atrás e cassou a própria decisão (as informações estão presentes na decisão de homologação da licitação e podem ser confirmadas pela consulta ao mandado de segurança no site do TJ).
Adiante: 5- com o prosseguimento da licitação, quatro empresas continuaram no páreo (veja a ata da terceira sessão pública); 6- em 19/03/2014, a comissão de licitação inabilitou três participante – inclusive a Rac Engenharia e Comércio Ltda., que era então a melhor colocada –, por supostamente não apresentarem a documentação exigida no edital. A única empresa considerada habilitada foi a Sial Construções Civis Ltda., que, após o julgamento dos recursos apresentados por duas empresas inabilitadas, acabou declarada vencedora do certame em 29/05/2014, pela unanimidade de votos do Tribunal Pleno do TCE/PR (veja a ata da sétima sessão e a decisão de homologação do certame).
Até agora, não se sabe de quem partiu a denúncia que levou à investigação do GAECO, nem como o denunciante poderia ter apresentado ao órgão indícios de que a licitação estaria sendo fraudada – se é que ela o foi. Não se sabe sequer se um dia essa informação será revelada. É certo, contudo, que o exame dos documentos da concorrência n.º 01/2013 pode ajudar a imaginar por que os fatos divulgados esta semana vieram à tona.
Em toda crise, uma oportunidade
O mais novo escândalo envolvendo o TCE/PR é também um momento de oportunidade. Considerando a eleição do último conselheiro que ingressou na Corte – atualmente afastado do cargo por decisão do STF –, pode-se dizer que o Tribunal chegou ao fundo do poço. Basta. É preciso mudar, e já.
Se o Governador e a Assembleia Legislativa do Paraná, responsáveis pela escolha dos conselheiros, dão de ombros à sociedade e continuam utilizando as nomeações que lhes cabem para obter vantagens e trocar favores, e enquanto a Constituição da República não for alterada para vedar a nomeação política aos Tribunais, é preciso que a Polícia e o Ministério Público comandem a reação, exatamente como o GAECO fez essa semana.
A moralização do TCE/PR, contudo, somente será atingida se os servidores do Tribunal fizeram a sua parte. Trabalhei na instituição e sei que a grande maioria dos servidores da Corte é formada por gente honesta e competente, que trabalha com afinco e busca se especializar cotidianamente para desempenhar suas funções. Mas é preciso mais. É preciso denunciar as irregularidades existentes ao Ministério Público e à Polícia. É preciso dizer não e expor ao ridículo quem já está nu há muito tempo. Juntem-se e fortaleçam-se. Deem o nome de quem conspurca a imagem do Tribunal e nos envergonha.
O risco da omissão é gravíssimo e pode ser constatado no próprio episódio envolvendo a concorrência n.º 01/2013. Um procedimento licitatório como esse envolve dezenas de servidores, que dele participam seja na qualidade de membros da comissão de licitação, seja na qualidade de pareceristas das diversas Diretorias nas quais os autos tramitam. É possível, assim, que funcionários honestos e decentes acabem vendo-se no meio de um processo criminal, em que o prejuízo é evidente, mesmo para os inocentes.