No último dia 11 de maio de 2014, o aeroporto de Guarulhos, o maior do país, inaugurou o seu mais novo terminal de passageiros, o terminal 3. A nova área destina-se a voos internacionais e se soma aos dois outros terminais já existentes no aeroporto. Na semana de inauguração, tive a oportunidade de realizar conexão em Guarulhos e visitar a obra. O resultado é um espaço amplo e confortável para check-in, embarque e desembarque de passageiros, novas posições para aeronaves e um edifício garagem com mais de 2,5 mil vagas. Infelizmente, as melhorias não alcançam os terminais 1 e 2, que concentram os voos nacionais e cuja estrutura, há um bom tempo, já não dá mais conta da demanda.
A inauguração do terminal 3 de Guarulhos reacende uma importante discussão política: a privatização. Isso porque a realização da obra só foi possível porque, desde junho de 2012, o aeroporto é administrado por um consórcio comandado por empresas privadas. Naquele mês, em um leilão realizado pelo governo federal, o consórcio GRU Airport assumiu o direito de operar o aeroporto – assim como o direito de explorá-lo comercialmente – pelo prazo de 20 anos. Em troca, o consórcio pagou à União o valor de R$ 16,21 bilhões, além de responsabilizar-se pela edificação do terminal e de outras obras. Desde então, negócios semelhantes foram firmados pelo governo federal nos principais aeroportos do país: Viracopos (Campinas), Brasília, Galeão (Rio de Janeiro) e Confins (Minas Gerais).
A concessão dos aeroportos à iniciativa privada traz, certamente, vantagens ao Poder Público. Além do valor pago pelos consórcios – que ingressa nos cofres públicos e é utilizado para fazer frente a gastos da Administração –, o governo vê-se livre das despesas necessárias à operação dos aeroportos. A responsabilidade pela contratação de funcionários e pela realização dos gastos necessários ao funcionamento dos aeroportos passa a ser do consórcio. O serviço, usualmente, é prestado com mais agilidade e eficiência, e o Poder Público pode concentrar sua atuação em outras atividades mais essenciais, como saúde e educação.
De outro lado, a concessão de aeroportos também traz desvantagens ao Poder Publico. As empresas que se dispõem a realizar tais negócios, evidentemente, só assumem as despesas e os riscos inerentes porque vislumbram a possibilidade de serem remuneradas por isso. Surge então a necessidade de prever lucro para o serviço, o que não ocorre quando a atividade é prestada pela Administração Pública.
Além disso, como a contratação de pessoal, obras e serviços é realizada pelo consórcio, a observação de regras aplicáveis ao Poder Público é dispensada. Ficam afastadas, assim, a realização de concurso público para seleção de pessoal, a garantia de remuneração e de aposentadoria típicas dos servidores públicos para os funcionários do consórcio e a realização de licitação para obras e serviços.
O traço mais marcante da concessão do aeroporto de Guarulhos, contudo, foi o fato de que o processo foi pensado e realizado pelo governo do PT, da presidente Dilma Roussef. O partido, antes de assumir o poder, sempre pautou sua atuação no combate aguerrido a qualquer tipo de privatização de serviços públicos. Quando estava na oposição, o PT arguia reiteradamente as desvantagens da atribuição da execução de serviços públicos à iniciativa privada para votar contra qualquer iniciativa nesse sentido. Além disso, o partido criticava ferozmente os líderes políticos que propunham tais medidas – não raras vezes, no plano pessoal, tachando-os de “entreguistas do patrimônio público” e outras qualificações semelhantes.
É verdade que a recente concessão do aeroporto de Guarulhos – e de todos os outros principais aeroportos do país – não significa a venda das instalações à iniciativa privada. Os consórcios assumem a operação dos aeroportos por determinado tempo, mas não passam a ser seus proprietários. Ao final da concessão, as instalações deverão ser devolvidas à União, que decidirá se retomará a operação dos aeroportos por conta própria ou realizará nova licitação para escolher um novo consórcio operador.
Esse, aliás, é o principal argumento utilizado por membros e simpatizantes do PT para diferenciar as privatizações comandadas pelo atual governo de boa parte das realizadas nos governos dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique, em especial, objeto de fixação de 9 entre 10 petistas, é sempre criticado pelo modo como seu governo privatizou diversos bancos do país, a Telebrás e a Vale do Rio Doce: vendendo-os à iniciativa privada.
De fato, a concessão dos aeroportos não se equipara à venda de estatais que ocorreu no passado. A delegação dos serviços à iniciativa privada, contudo, ao menos durante o tempo da concessão, acarreta rigorosamente as mesmas desvantagens ao Poder Público que qualquer tipo de privatização. Como vimos, o consórcio passa a almejar o lucro, contrata pessoal sem concurso público e realiza as obras e serviços necessários à operação do serviço sem licitação.
Além disso, a comparação entre as privatizações realizadas pelo governo Fernando Henrique e pelos governos petistas não pode deixar de levar em conta que, nos anos FHC, o ambiente econômico nacional era muito mais desfavorável (o risco-país brasileiro e as taxas de juros, por exemplo, eram muito superiores às atuais, desestimulando investimentos). Ademais, as instituições nacionais eram sensivelmente mais frágeis. A corrupção nos bancos estaduais, por exemplo, era escandalosa, e beneficiava os grupos políticos dos governadores de plantão.
A propósito, não deixa de ser irônico constatar que os cenários econômico e institucional mais vantajosos herdados pelos governos petistas foram construídos a partir de atuação decisiva dos governos anteriores e apesar da forte oposição petista, que foi contra diversas iniciativas que mudaram e modernizaram o país, como a Constituição da República (1988), o Plano Real (1994) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (2000).
Continua… Leia a Parte 2 do artigo.