Patriotas, cortesãos ou bobos da Corte?

“Stańczyk durante um baile na Corte da Rainha Bona em face da queda de Smolensk” (1862, Museu Nacional de Varsóvia): a gravidade do momento percebida por quem costuma fazer rir, na obra do polonês Jan Matejko

Um dos principais historiadores do período revolucionário dos Estados Unidos, Gordon S. Wood, notabilizou-se por obras que contam a história da revolução com um forte viés sociológico. Seus livros focam menos em datas e personalidades do que na análise das mudanças sociais que levaram à guerra da independência americana (1775-1783).

Para Wood, às vésperas da revolução, havia um grande antagonismo na sociedade americana envolvendo cortesãos e patriotas. Os cortesãos eram os indivíduos cuja posição social fora adquirida artificialmente, por conta de conexões hereditárias ou pessoais com a Corte britânica. Eram os indivíduos que se dedicavam a bajular e a apoiar as autoridades reais, em troca de favores e privilégios. De outro lado, os patriotas eram os cidadãos que não mantinham laços de dependência com o Poder Público e cuja posição na sociedade fora conquistada a partir do trabalho, talento e reconhecimento popular.

Em linhas gerais, a oposição entre cortesãos e patriotas podia ser encontrada não apenas nos Estados Unidos, mas também nos demais países do mundo que, entre o final do século XVII e início do século XVIII, vivenciaram as chamadas Revoluções Liberais. Por toda a parte, a situação dos patriotas era reforçada pelo iluminismo e sua repulsa a qualquer forma de autoridade não embasada na razão.

Em maior ou menor grau, o choque com os cortesãos foi vencido pelos patriotas. O resultado produziu os Estados liberais e a consolidação de ideias que predominam até hoje nas democracias ocidentais: governo limitado pela lei, impessoalidade, meritocracia e garantia de direitos políticos e civis à população (direitos à vida, propriedade, devido processo legal, liberdades de religião, imprensa, expressão, associação, atividade econômica, entre outros).

Bem consolidadas nos países mais desenvolvidos do globo, as ideias liberais ainda engatinham no Brasil, contudo. De certa forma, ainda somos um país de cortesãos, em que boa parte da população busca com vigor as vantagens outrora garantidas aos amigos do Rei. O resultado é um Poder Público inchado, custoso, ineficiente e com altíssimos índices de corrupção.

Secretarias e cargos em comissão irrelevantes são criados aos montes para abarcar apadrinhados políticos. Estatais continuam a servir como polo de corrupção e a funcionar com déficit e incompetência. Empresários aproximam-se dos governantes em exercício para auferir negócios favoráveis, no capitalismo de compadrio à brasileira. E mesmo entre aqueles que ascendem legitimamente às suas posições, muitos não se furtam a amealhar e defender supersalários e outros benefícios inconstitucionais e imorais desproporcionais à qualidade do serviço e a seus resultados.

Enquanto isso, espreme-se de outro lado a maior parte da população, que corre risco financeiro continuamente e é obrigada a trabalhar boa parte de seu tempo apenas para custear a máquina pública. Essa massa populacional não apenas não recebe o benefício correspondente às suas contribuições, como costuma efetivamente ter sua vida dificultada pela burocracia estatal, em uma situação que, cada vez mais, aproxima-se do ultraje. Muitos brasileiros que se consideravam patriotas começam a sentir-se verdadeiros bobos da Corte. Está claro que essa situação é insustentável e não vai terminar bem.

Texto publicado originalmente em 24/06/2016, no jornal O Diário do Norte do Paraná.