Estadista é o político que com suas ações e por seu exemplo busca promover conquistas sociais permanentes. A sua principal característica é pensar a médio e a longo prazo, agindo independentemente de fins partidários ou eleitorais. Em tempos de profunda desilusão com nossos governantes, recordar a história de um estadista faz reviver a esperança de que a política pode ser diferente. Um dos políticos cuja biografia mais admiro e que certamente fez jus a essa qualificação foi John Adams.
John Adams nasceu em 30 de outubro de 1735, em Braintree (hoje, Quincy), Massachusetts, EUA. Formou-se em Harvard e foi advogado e agricultor. Estudioso, era apaixonado por livros e gastava boa parte de seu tempo lendo e escrevendo. Trabalhador, era acostumado a dar duro tanto em seu escritório quanto em suas terras, nas quais “podava suas próprias árvores, cortava seu próprio feno e preparava sua própria lenha” (as palavras são de David McCullough, seu biógrafo). Era reconhecido como franco e honesto e combinava as qualidades de cristão praticante com a de pensador independente.
Na vida pública, John Adams representou para o seu país o que pouquíssimas pessoas representaram para as suas nações: foi um dos líderes do movimento da independência americana, redator da Constituição de Massachusetts (em vigor até hoje), embaixador na França, Inglaterra e Holanda, opositor da escravidão, defensor dos direitos das mulheres, vice-presidente e, posteriormente, presidente dos EUA.
Seu feitos vão além: mesmo opondo-se à administração inglesa das colônias americanas e arriscando suas próprias ambições políticas, defendeu os soldados britânicos acusados de assassinato no episódio conhecido como “Massacre de Boston” (1770) e os absolveu no Tribunal do Júri; no posto de embaixador na Holanda, obteve empréstimos fundamentais que ajudaram a consolidar o surgimento dos EUA; eleito presidente, fez paz com a França, colocando fim a um conflito que poderia ter envolvido ambos os países em uma disputa sangrenta; também na presidência, indicou John Marshall à Suprema Corte de seu país, marcando o início da carreira daquele que, possivelmente, foi o maior chefe da história da Suprema Corte americana.
Apesar dos inúmeros cargos públicos que ocupou, John Adams não se valeu de sua posição para obter vantagens ilícitas. Aliás, ao contrário: no exercício dos cargos, viu seu patrimônio diminuir, em virtude dos baixos salários então pagos aos representantes do país e à necessidade de afastar-se de suas atividades particulares.
Cartas para Abigail
De todas as decisões tomadas por John Adams em vida, a mais importante, contudo, não envolveu a política. Ela foi o casamento com Abigail Smith, no dia 25 de outubro de 1764. Independente, corajosa, inteligente e trabalhadora, Abigail foi, durante todo o casamento com John, a maior incentivadora de seu marido, sua fonte de amor e estabilidade. Juntos, John e Abigail educaram quatro filhos, um dos quais – John Quincy Adams –, também se tornaria presidente dos EUA posteriormente.
Muito do que se sabe sobre o pensamento de John Adams foi revelado pela profícua troca de correspondências que ele manteve com Abigail durante os longos períodos em que serviu seu país fora de casa. Em suas cartas, encontramos uma grande fonte de amor e sabedoria, como os seguintes exemplos permitem notar (em tradução livre do inglês):
Amor e casamento (Braintree, 11 de abril de 1764)
“Eu ficaria contente de vê-la nesta casa, mas há outra casa mais próxima em que eu me alegraria em vê-la muito mais, e de viver nela com você, até que tenhamos vivido o suficiente para nós mesmos, para a Glória, Virtude e Humanidade, e até que nós dois desejemos passar para um mundo melhor, mais sábio e mais justo. Eu sou, e para sempre serei, seu admirador, seu amigo e amante.”
A educação dos filhos (15 de abril de 1776)
“Eu direi a eles [meus filhos] que estudei e trabalhei para construir um Estado livre em que eles pudessem viver, e que se eles não preferirem isso à riqueza, conforto e luxo, não serão meus filhos. (…) Eles deverão viver de forma módica, vestindo-se com simplicidade e trabalhando duro, com corações alegres e livres, ou eles serão filhos de alguém, mas não meus (…) Cuide para que eles não se desviem. Cultive as suas mentes, inspire seus pequenos corações, aumente suas aspirações (…) Ensine a eles a desprezar a injustiça, a ingratidão, a covardia e a falsidade. Não deixe que eles reverenciem nada, a não ser a religião, a moralidade e a liberdade.”
A importância da esposa (22 de maio de 1776)
“Entre todas as decepções e perplexidades que tenho enfrentado na vida, nada tem contribuído mais para me acalmar do que a escolha abençoada de uma esposa (…) Esse tem sido o consolo do meu coração, nas minhas horas mais solitárias.“
A importância de cumprir o dever (Paris, 12 de maio de 1780)
“Eu poderia preencher volumes com descrições sobre Templos e Palácios, Pinturas, Esculturas, Tapeçaria, Cerâmica, etc., se eu tivesse tempo. Mas eu não poderia fazer isso sem prejuízo de meu dever. Meu dever é estudar a Ciência do Governo mais do que qualquer outra ciência: a Arte da Legislação, da Administração e dos Negócios devem ocupar meu tempo, com exclusão de outras Artes. Eu devo estudar Política e Guerra para que meus filhos tenham a liberdade de estudar Matemática e Filosofia. Meus filhos devem estudar Matemática e Filosofia, Geografia, História Natural, Arquitetura Naval, Navegação, Comércio e Agricultura, para dar aos filhos deles o direito de estudar Pintura, Poesia, Música, Arquitetura, Escultura, Tapeçaria e Porcelana.”
Dignidade no exercício da função pública (Paris, 17 de julho de 1783)
“Você conhece seu marido. Ele nunca será um escravo. Ele nunca se dobrará. Ele nunca acomodará seus princípios ou sentimentos para manter ou obter uma posição, ou para agradar sua filha ou esposa. Ele nunca deixará sua honra, seu dever, ou seu orgulho honesto em troca de coches, mesas, ouro, poder ou glória.”
Contenção no exercício da função pública (Nova Iorque, 22 de abril de 1789)
“Nenhuma previsão, nenhum arranjo foi feito para o presidente ou vice-presidente (…) Você e eu, contudo, somos as duas pessoas mais qualificadas para a situação no mundo. Nós podemos nos conformar à situação. E se eles determinarem que nós devamos viver com pouco, nós não iremos gastar muito.”
Que o exemplo de John Adams possa encorajar todos aqueles que, como ele, buscam fazer da política uma atividade decente e voltada ao bem público.