Leia a Parte 1 do artigo aqui.
Se o próprio PT sabia das desvantagens da concessão do aeroporto de Guarulhos e dos outros grandes aeroportos do país – porque historicamente as anunciou –, a escolha da concessão aconteceu, certamente, pela conclusão de que as vantagens esperadas com o programa superariam as desvantagens. Na ponderação dos prós e contras da concessão, o governo do PT decidiu que a medida seria boa para o país.
Muito provavelmente, o governo petista entendeu que a iniciativa privada poderia operar o aeroporto mais adequadamente que o próprio Poder Público porque o consórcio de empresas vencedor do leilão é regido por um regime jurídico mais ágil, tem capacidade para investir em obras e melhorias no aeroporto e estará focado apenas nesse objetivo, ao contrário do Poder Público, que tem numerosíssimos papeis a desenvolver, em diversas áreas (saúde, educação, transporte, segurança, etc.).
No âmbito da delegação de serviços públicos, a ponderação entre pós e contras é mesmo um passo fundamental a ser dado pelo Poder Público. Para tanto, é importante abandonar preconceitos como aqueles que orientaram a atuação do PT no passado. Afinal, o fato de determinado serviço ser prestado exclusivamente pelo Estado não faz dele, por si só, melhor para o país.
É preciso afastar o ranço ideológico que vê na iniciativa privada a origem da injustiça e dos males do mundo. É necessário perceber que os empresários e seus funcionários compõem a maior parte da população nacional, são os maiores responsáveis pela geração de renda e tributos no país e, como tal, também têm o direito de participar da distribuição da riqueza da nação. Além disso, é preciso deixar de demonizar o lucro auferido com dignidade. Se o empresário trabalha com honestidade e corre riscos, é preciso entender o lucro como a contrapartida natural.
Outro passo importante a ser dado na delegação dos serviços públicos é a definição clara dos objetivos a serem perseguidos com a medida. Nesse ponto, é imprescindível ter em mente que toda e qualquer medida de atribuição de um serviço público à iniciativa privada deve obedecer ao interesse da coletividade, e nunca ao interesse de uma pessoa ou de um grupo exclusivo. Lembra-se aqui o exemplo da tentativa da venda da COPEL no Paraná. De todos os pontos que se analisava a medida, não havia qualquer justificativa para ela. A empresa sempre foi motivo de orgulho dos paranaenses, desempenha função estratégica para o Estado, funciona bem e é superavitária.
A propósito, outro exemplo que leva ao questionamento da realização do interesse nacional é o próprio caso do aeroporto de Guarulhos. O terminal 3, a grande obra resultante da concessão até aqui, é dedicado exclusivamente a voos internacionais, em que boa parte dos usuários é estrangeira. Enquanto isso, os terminais 1 e 2, que concentram os voos nacionais e são os mais utilizados pelos brasileiros – os cidadãos que, ao final, pagam a conta da concessão e devem ter seus interesses protegidos pelo governo brasileiro –, funcionam há muito tempo em instalações acanhadas e inadequadas.
Um terceiro passo fundamental na delegação dos serviços públicos é a adequada fiscalização do Poder Público sobre os projetos das obras e serviços a serem desenvolvidos, sobre o procedimento licitatório que apontará o agente privado contratado e sobre a execução dos serviços. Caso tal objetivo não seja rigorosamente cumprido, toda e qualquer tentativa de privatização fatalmente fracassará, e produzirá um resultado prejudicial à coletividade. É justamente o que aconteceu, por exemplo, com o programa de concessão de rodovias do Paraná. Por omissão e incompetência, o Estado não fez as concessionárias cumprirem o caderno de obras da concessão e permitiu um desequilíbrio contratual que produziu lucros exorbitantes para as empresas e altas tarifas para os usuários.
Por fim, é preciso deixar claro que não podem ser sujeitos à delegação os serviços públicos essenciais. Tais serviços têm que ser necessariamente prestados pelo Poder Público, sob pena de se desfazer a própria ideia de Estado, qual seja, de reunião institucional de um determinado povo sobre um determinado território. Trata-se dos serviços de governo, polícia, justiça, forças armadas, educação e saúde. Quando muito, as atividades de educação e saúde podem ser autorizadas à iniciativa privada para que a prestem em caráter complementar, mas não podem nunca ser renunciadas pelo Poder Público.